Crítica à nova identidade visual e posicionamento da Jaguar
No final de 2024, a Jaguar anunciou uma transformação profunda: abandonar o icônico felino em salto que sempre acompanhou a marca, trocar o logotipo por uma tipografia minimalista e adotar o lema Copy Nothing. A campanha de estreia trouxe um vídeo de 30 segundos com pessoas trajadas de forma extravagante em um cenário psicodélico, exibindo frases como “create exuberant” e “delete ordinary”; ao final, a palavra “Jaguar” aparece em uma fonte arredondada sem o animal. A promessa era de uma paleta exuberante, de um monograma simétrico JR e de uma nova estratégia para atrair clientes mais jovens e abastados.
Contexto e elementos da nova identidade
Segundo a própria fabricante, a nova era da marca celebra um espírito de modernismo exuberante. O monograma apresenta as letras “J” e “R” em harmonia geométrica com um traço atravessado que simboliza coragem e originalidade. A paleta baseia‑se em cores primárias vibrantes (amarelo, vermelho e azul) como blocos construtivos, e o manifesto “copy nothing” invoca a ideia de apagar o comum e inspirar‑se em arte, música e arquitetura. A proposta, portanto, é posicionar a Jaguar como uma marca elétrica de luxo avant‑garde.
Para ilustrar o novo posicionamento, a imagem a seguir mostra o logotipo oficial introduzido em 2024. A tipografia em dourado sobre fundo claro com linhas horizontais, acompanhada pelo traço atravessado, traduz o minimalismo e a sofisticação buscados pela marca:
Por que a mudança gerou controvérsia?
Apesar do discurso oficial, a recepção foi polarizada. Críticos observaram que o vídeo de lançamento não mostrava carros, apenas pessoas dançando e slogans vagos, o que deixou o público sem referência ao produto. Ao remover o felino saltando, a Jaguar abandonou um dos atalhos mentais mais conhecidos do setor automotivo, prejudicando a conexão imediata com o consumidor. Especialistas como Sue Benson, CEO da The Behaviours Agency, apontaram que tal decisão enfraquece o poder de reconhecimento e elimina a emoção associada à herança da marca. Gabor Schreier, da MetaDesign, complementou que a ruptura com a história cria um abismo entre passado e futuro, tornando o reposicionamento frio e artificial.
Outras críticas ressaltaram que o que vimos até agora é apenas um “trailer” do rebrand e que o material divulgado é fraco: o vídeo, o logotipo e o conceito do carro não convencem. Mark Ritson, professor de marketing, chegou a descrevê‑lo como “a coisa mais estúpida” que já viu em branding, pois parece desconectado dos clientes automotivos. O slogan Copy Nothing também foi considerado irônico: a tipografia minimalista lembra marcas como Motorola e Dyson, e o monograma simétrico remete aos logotipos de grifes como Chanel, Gucci e Fendi. Até publicações especializadas comentaram que, ao rejeitar a estética tradicional do setor automotivo, o novo logotipo acaba parecendo genérico ou “já visto”.
Opinião pessoal: particularmente, não gostei do monograma “J” e “R”. Embora a intenção fosse criar um monograma elegante, o resultado parece genérico e sem personalidade — lembra marcas de moda que perderam sua essência minimalista. A discussão sobre como as grandes grifes de moda também vêm apagando sua individualidade fica para outro artigo, mas a comparação ajuda a entender por que muitos consumidores sentiram falta de autenticidade nesta mudança.
Outro ponto a ser considerado é o impacto reputacional e financeiro. Poucos dias após a repercussão negativa, a Jaguar anunciou a demissão da agência responsável pela campanha, sinalizando insatisfação com os resultados e dando início a uma nova busca criativa. Embora dados precisos de prejuízo ainda não estejam disponíveis, a marca reconheceu que a controvérsia abalou suas metas de reposicionamento e exige correção de rota.
Eu também concordo com a crítica de que descartar o felino é desperdiçar um ativo construído ao longo de décadas. Criar um símbolo com tamanha força emocional e reconhecimento exige investimento e tempo; ignorar essa herança significa abrir mão de um patrimônio que poderia ser reinterpretado em vez de simplesmente abandonado.
O que a Jaguar fez certo
Nem tudo é negativo. A identidade reimaginada explora uma visão mais artística e luxuosa, alinhando‑se com a estratégia de vender menos veículos a preços mais elevados. A proposta de exibir instalações imersivas e cores exuberantes resgata a ligação com a moda, o design e a arte contemporânea. Esses elementos podem diferenciar a marca em um mercado que busca experiências de luxo mais imersivas.
Líções para outras marcas
A polêmica em torno da Jaguar ensina que:
- Evolução é melhor que revolução: mudanças radicais podem alienar públicos fiéis. É preferível atualizar gradualmente elementos visuais, sem descartar ativos consagrados.
- Mantenha ativos distintivos: remover símbolos fortes (como o felino) enfraquece a memória de marca e dificulta a conexão imediata.
- Construa vínculos emocionais: campanhas focadas apenas em estética ou slogans podem soar vazias. As pessoas querem sentir a personalidade e a história por trás da marca.
- Teste com seu público: analisar a reação de clientes leais e de novos públicos antes de lançar uma identidade ajuda a evitar deslizes.
- Alinhe propósito, produto e comunicação: um reposicionamento só é bem‑sucedido quando a mensagem, a experiência e o produto entregam a mesma promessa.
Conclusão
A Jaguar merece crédito por buscar inovação e ousar no reposicionamento para um mercado de carros elétricos de luxo. Entretanto, a forma como comunicou essa mudança — ocultando o produto, descartando o felino e investindo em slogans genéricos — gerou desconforto entre especialistas e consumidores. Uma transição mais cuidadosa, que equilibre tradição e inovação, poderia transmitir modernidade sem perder o DNA da marca.
Para quem quiser ver o filme original e entender melhor a proposta, recomendo assistir ao vídeo oficial disponível na página Copy Nothing no site da Jaguar. Outra fonte útil é o artigo “What Jaguar’s controversial rebrand can teach us” no site How Brands Are Built, que oferece uma análise crítica das escolhas da marca.
Gilnei Silva é designer especialista em identidade visual e cofundador da Evolgo Transformação de Marca.
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